O conto “Esses Lopes “, do livro Tutaméia de João Guimarães
Rosa, é objeto de análise desta comunicação que se utiliza da noção de formas de
vida tal como a concebe a semiótica francesa, pressuposto metodológico do
trabalho. No texto rosiano o sujeito da enunciação projeta um narrador,
figurativizado por uma mulher já idosa, Flausina, que relata sua história de
vida pretérita, possibilitando-nos acompanhar as transformações por que ela
passou da adolescência à velhice. Tais transformações representam o
estabelecimento de uma nova práxis sobre a forma de vida da mulher pobre do
sertão que ela corporifica. Segundo Fontanille (1993), na apresentação do dossiê
sobre as formas de vida, fruto de um seminário publicado na Recherches
Sémiotiques, Semiotic Inquiry, a questão das formas de vida surge em semiótica
em razão de dois tipos de preocupação. A primeira é relativa à práxis
enunciativa, uma vez que as formas de vida se originam e se desfazem pelo uso,
ou seja, são inventadas, praticadas ou denunciadas por instâncias enunciativas
coletivas ou individuais. Quanto à segunda, de ordem estética, relaciona-se à
estetização da ética, pois as formas de vida dão um sentido à existência somente
se obedecerem a certos critérios de ordem sensível e estética. Ao analisar o
“beau geste”, como forma de vida, Greimas (1993), nessa mesma publicação, afirma
que as formas de vida se relacionam a uma nova “ideologia”, a uma “concepção de
vida” que pode ser considerada simultaneamente uma filosofia de vida. O “beau
geste”, segundo o autor, se coloca contra as formas socializadas do dever, anula
o efeito de estabilidade, de fixidez, característico dessa modalidade. Assim, o
sujeito tem a possibilidade de abrir-se para o devir, e, postando-se
inversamente como sujeito de um possível querer, adquire a competência para
tornar-se autônomo e auto-destinado. O semioticista lituano ressalta também que
o “beau geste” é uma forma de afirmação do indivíduo em relação ao coletivo, e
de uma moral pessoal em relação a uma moral social. No texto rosiano,
verificaremos o modo como a protagonista da história, Flausina, denuncia uma
forma de vida estereotipada, que legava à mulher um papel de marginalidade
social, e inventa uma nova práxis, que passa a dar um sentido a sua vida, na
medida em que se transforma de não sujeito em sujeito de sua própria história,
de sujeito alienado em sujeito perceptivo.É importante notar que, em “Esses
Lopes”, a filosofia de vida do homem do sertão mineiro prega a submissão
feminina aos valores do universo patriarcal. Observaremos o modo como Flausina
rompe com essa visão de mundo ao nível do ser, porém, ao nível do parecer,
simula submeter-se a ela, e o enunciador possibilita ao enunciatário observar
como ela se libertou de tais práticas sociais pré-estabelecidas. Assim, por meio
de transformações que operou em sua vida, como sujeito pragmático, cognitivo e
passional, o ator tornou-se sujeito de sua história. É, pois, com base, na noção
de formas de vida que analisaremos as transformações sofridas pelo ator, como
sujeito pragmático cognitivo e passional. Nossa hipótese é que o fazer estético
da enunciação, aplicado à dimensão ética, ao chamar a atenção para o parecer
sensível do ator do enunciado, pode levar a transformações na visão de mundo
estereotipada do enunciatário e propor novas formas de vida .
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